quinta-feira, 21 de junho de 2018

Crítica | “O Escafandro e a Borboleta” (2007): um náufrago nas praias da solidão [CLÁSSICO]

Apresentando duas interpretações sobre a liberdade, o diretor Julian Schnabel dá uma aula de técnica para representar as emoções de uma pessoa presa em seu próprio corpo

O roteiro de “O Escafandro e a Borboleta” é uma adaptação baseada no livro autobiográfico de Jean-Dominique Bauby (interpretado por Mathieu Amalric, de "No Portal da Eternidade"), um jornalista da revista de moda Elle. A primeira cena do filme é o seu despertar. Após sofrer um AVC (acidente vascular cerebral), ele acorda em um hospital sem entender a situação. Seu corpo ficou paralisado devido à síndrome locked-in, também conhecida como síndrome do encarceramento. A única parte que pode movimentar é o seu olho esquerdo, já que o direito foi costurado para não correr o risco de infeccionar. Logo de início, por meio da câmera subjetiva é exibida a metáfora do escafandro, que além de apresentar a perspectiva do protagonista, mostra a incapacidade, a solidão e o aprisionamento.

Para demonstrar essa prisão, o diretor Julian Schnabel ("No Portal da Eternidade") utiliza longas cenas de contemplação e solidão, mostrando a claustrofobia e o terror de ficar preso em seu próprio corpo. O diretor brinca com o foco, apresentando diferentes perspectivas com closes que representam a confusão e as alucinações das medicações. A paralisação é representada com enquadramentos tortos, mostrando que a visão do personagem é limitada ao ângulo que sua cabeça está posicionada.

Outro ponto técnico interessante é como o diretor trabalha a luz, como se estivesse refletindo de acordo com o balanço das ondas do mar. A câmera subjetiva simula o olho do jornalista, mostrando as piscadas e a tela preta que representa a perda da visão. No encontro com Céline (Emmanuelle Seigner, de "Baseado em Fatos Reais"), a mãe de seus filhos, o desfoque imita as lagrimas. Depois de um tempo, o diretor enfim deixa a câmera subjetiva de lado e conta sobre a vida de Bauby antes do AVC.

Preso em seu próprio corpo, ele se imagina como se estivesse solitário no fundo do oceano. Além do olho, a paralisia não afetou outros dois pontos vitais: sua imaginação e sua memória para conseguir escapar do escafandro. Conforme o tempo passa, Jean aprende uma nova forma de se comunicar com sua fonoaudióloga: por meio das letras utilizadas com mais frequência no alfabeto. A profissional cita cada letra e Bauby responde para sua família e médicos: uma piscada para sim e duas para não.

O humor do protagonista se altera a cada avanço, transitando entre gargalhadas e pensamentos suicidas. Quando o jornalista não encontra mais dignidade em si mesmo, sente-se impotente e sua mente começa a derrapar em seus problemas familiares. Em outros momentos, diverte-se ao ver seu amigo errando no processo de comunicação ou quando dois funcionários fazem piada com a instalação de um telefone no seu quarto. O médico pede para descansar e ele replica com ironia: “O que mais posso fazer?”.

"O Escafandro e a Borboleta" propõe duas visões para o espectador interpretar a situação de Bauby: na primeira, a morte é vista como um livramento e sua mente se perde no fundo do oceano como um escafandro. Na segunda, sua mente aberta para a imaginação e a criatividade é representada pela liberdade de uma borboleta. Seja pessimista ou otimista, é possível se afogar na solidão ou se libertar nos limites do seu mundo de ideias. Tudo depende da sua interpretação sobre a palavra liberdade.