domingo, 22 de março de 2015

[Série: Versos de Ciências] O romance espaço-tempo

Ela queria espaço. Ele queria tempo.
O tempo era quase imperceptível para ele e lento para ela. O espaço era uma imensidão para ela e pequeno para ele.

Diziam que eram inalterados. Tudo mudava, menos o tempo e o espaço.
Aristóteles dizia que eles só se movimentavam quando guiados por algum impulso.

Enquanto ela seguia o pensamento aristotélico de guiar a vida sem comprovações, ele era o Galileu que subia na Torre de Pisa para jogar os pesos. Ela aceitava a felicidade teórica e ele queria mostrar na prática que tentava achar o certo.

Ele dizia que tudo estava mudando. Ela dizia que não sentia o mesmo. Eles se atraíam, mas ela fingia uma outra rotação.

Ela queria distância. Ele se defendia com a lei da gravidade de Newton dizendo que quanto mais afastados, menor será a força da atração.

Ela dizia que ele deveria respeitar a visão dos outros. Se defendia com o exemplo do trem em movimento. A opinião pode ou não estar a seu favor. Tudo depende, assim como o trem pode estar parado e a Terra em movimento.

Ele disse que o relacionamento deles era como olhar para as estrelas com um telescópio. Com a distância, tudo que olhamos já não está igual, aconteceu e virou passado.

Era natural pensar que seria assim para sempre, mas durou pouco.

Eles mostraram que não era possível ter uma posição absoluta, era preciso ceder.

Ela ganhou espaço.
Ele ganhou tempo.

Ela em seu espaço se moveu, mas se sentiu sozinha. Afetou a curva do espaço e do tempo.
Ele em seu tempo esperou, mas demorou demais. Afetou e foi afetado por tudo.

Assim como não é possível explicar o universo sem noções do espaço-tempo, torna-se sem sentido falar dele, sem lembrar a história dela.

Juntos, na relatividade geral, eles contaram uma história de amor universal.

domingo, 1 de março de 2015

[Cinema] Crítica: Birdman Ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) - 2014

Riggan Thomson (Michael Keaton, em um papel espetacular) é um ator que ficou marcado por apenas por um personagem. Birdman foi um herói de uma trilogia baseada em quadrinhos lançada há muito tempo, que o deixou muito conhecido, mas que dificultou sua carreira na busca de novos papéis.

Muitos anos depois, o ator adapta o livro de Raymond Carver com ajuda do agente Brandon (Zach Galifianakis), escrito há mais de 60 anos, para uma peça de teatro da Broadway. Tudo para tentar um recomeço.

Lembrando que a crítica contém spoilers, então cuidado. Assiste o filme e depois volta aqui! 

Com o andamento do filme, fica fácil entender os motivos do longa de Alejandro G. Iñárritu ter conquistado quatro estatuetas no Oscar: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original e Melhor Fotografia.

A história de "Birdman" é um verdadeiro mar de críticas contra o cinema, o teatro, os atores, os críticos, os roteiros e o público. O filme não se importa em falar nomes de atores e criticar o papel de muitos na indústria hollywoodiana.

O filme começa com a procura de Riggan (Michael Keaton, um dos indicados para melhor ator) por um novo ator para a peça. O escolhido, Mike Shiner (Edward Norton, indicado para o Oscar de melhor ator coadjuvante), ajudaria a atrair a crítica e o público, mas representa aqueles atores que ainda não chegaram ao estrelato e que fazem exigências ridículas para participar de um filme.


Os famosos coadjuvantes que após fazer o mínimo de sucesso em um filme sentem-se os maiores atores da face da Terra.

O mesmo acontece com Lesley (Naomi Watts), que sempre sonhou em um papel da Broadway e que não consegue se contentar com o papel de hoje. Como aquele tipo de ator que quer estrelar um blockbuster sem antes ter feito um papel importante. Algo como pegar o elevador todos os dias sem antes ter experimentado subir uns bons andares de escada.

Uma jornalista pergunta se Roland Barthes, filosofo francês, participou de um dos filmes do Birdman. Em outras palavras, outra crítica: jornalistas despreparados para entrevistas. Ao invés de perguntar sobre a nova peça de teatro, pergunta se é verdade se Riggan injetou sêmen de bebê porco para rejuvenescimento facial, pois viu em um post no Twitter. Outra reclamação: jornalistas que se baseiam em rumores e fontes inadequadas.

"Deveríamos ter aceitado o 'reality' que nos ofereceram", representando toda a comodidade que é aceitar um papel imbecil do que arrumar um jeito de financiar uma peça ou adaptar um roteiro.

Sam (Emma Stone, que logo deve ganhar um Oscar), filha de Riggan, comenta a atual importância de viralizar para tornar algo um sucesso e a falsidade de atores que dizem se sacrificar "em nome da arte", mas que não verdade só querem promover a própria carreira. Não ter um blog, um Twitter ou um Facebook, torna um ator invisível, segundo Sam.

O "viralizar" é justamente entrada para a crítica ao público, que dá mais valor ao bizarro do que ao merecimento. A crítica é representada no filme com a cena de Riggan de cueca nas ruas e no palco.

O trabalho no teatro, o suor dos ensaios e desafios dos bastidores nunca serão mais lidos do que um ator famoso de cueca no meio da rua.

Outra contra o público: todos possuem gostos iguais e são preguiçosos. "Eles amam sangue, eles amam ação. Nada dessa conversa depressiva e filosófica", dizendo que a grande massa só quer ver mais do mesmo, pois pensar cansa.

Mais uma crítica é referente... aos críticos. Tabitha Disckenson, do Times (ou "aquela que parece que lambeu a bunda de um mendigo"),  é citada como a única opinião que importa em NY. Se ela gosta de uma peça, vira um sucesso. Se não gostar, será um fracasso. Ela fala sobre o teatro como se fosse algo de propriedade dela: "Você (Riggan) tomou um teatro que deveria ser usado com algo de valor", comenta em um bar.


"Um homem torna-se crítico quando não pode ser um artista", diz Mike. Dickenson é mal-intencionada. Antes da peça começar ela diz: "Não se preocupe, eu farei uma crítica ruim". A crítica acredita ter tanto poder, que pode julgar o que é arte de verdade. Ela fala mal da rotina dos atores, que entregam prêmios uns aos outros por fracas produções.

Riggan se defende dizendo que a crítica nada mais é do que uma rotulação, de colocar etiquetas com elogios ou maldades sobre algo na mídia. A mídia acaba esquecendo de falar sobre técnica, estrutura e roteiro, criando apenas comparações sem sentido.

A trilha sonora é basicamente uma bateria que se intensifica ou fica lenta. Algumas vezes, a trilha é feita por um elemento que aparece na cena, como um baterista na rua ou no meio dos corredores do teatro (?).

Não se incomode em ver muitas cenas sem sentido no filme, uma hora você se acostuma e entende o significado.

O diretor Alejandro G. Iñárritu, inova na maneira de filmar. A obra foi feita como se fosse apenas uma tomada, em plano-sequência. Em nenhum momento existe algum corte perceptível de câmera, que de vez em quando fica parada, gira ao redor da cena e que muda de cenário com uma facilidade incrível.

Apesar da câmera seguir na mesma sequência, o filme não se passa em apenas um dia ou em só um cenário. E essa é uma das maiores qualidades do longa. O tempo passa, o cenário muda e a câmera continua seguindo os atores. Gravar um filme inteiro desta maneira deve ter dado um trabalho gigantesco. Oscar de melhor diretor merecido pelo Iñárritu, que contou uma excelente história e de maneira arriscada.


"Birdman" critica tudo e todos, mas não esquece de contar uma história com grandes atuações e principalmente inovação. O filme joga na nossa cara como é difícil criar e como é fácil reclamar.

Tudo no filme pode ter diversas interpretações, inclusive o final, que poderia escolher o básico, jogo fácil, simples.


Mas quem disse que "Birdman" era para ser simples?
Ah, não se preocupe. Assim como o início e o meio, o final é incrível.

Nota (de zero a cinco): 5