sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

[Cinema] Crítica: The Post: A Guerra Secreta - 2018

Não é raro se deparar com um filme que retrata o cotidiano do jornalismo. Cidadão Kane, Todos os Homens do Presidente ou A Montanha dos Sete Abutres são três clássicos que podem ser citados. Nos últimos anos, o tema voltou a ser assunto de filmes elogiados pela crítica, como O Abutre e Spotlight: Segredos Revelados. The Post - A Guerra Secreta tinha tudo para ser mais um, porém existe um toque de maestria de um diretor chamado Steven Spielberg.

No drama, Ben Bradlee (Tom Hanks) e Kat Graham (Meryl Streep), editores do The Washington Post, recebem um estudo detalhado sobre o papel dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã. O roteiro foca nos desafios que precisaram ser ultrapassados para a publicação dos documentos, os chamados Pentagon Papers – 7 mil páginas sobre como a Casa Branca mentiu sobre a guerra do Vietnã.


Em 1971, o cenário era controverso. Apesar do aumento do número de soldados no campo de batalha, a guerra continuava. O que tinha iniciado apenas como uma segurança inicial se transformara em um combate ativo. Katherine Gragam era a primeira mulher a frente de um grande jornal americano, o The Washington Post e tinha que carregar nas costas um legado de mais de duas décadas. Além de lidar com o governo, Kat também tinha que suportar a pressão interna do jornal, que estava em pleno crescimento. Neste ponto, seu principal concorrente, o The New York Times já publicava documentos secretos sobre a atuação dos Estados Unidos no Vietnã.

Com a proibição do governo para que o Times parasse de publicar sobre o assunto, com suporte da Lei da Espionagem, restou ao Post a dúvida: correr o risco de ter seus funcionários presos e fechar ou continuar firme com a missão da imprensa?

O Pentagon Papers serviu como um estopim que terminou com o escândalo Watergate que causou a renúncia do presidente Richard Nixon, primeiro e único a deixar o cargo nos Estados Unidos. O fato serviu para reforçar o recado na época para a população e o governo: é papel da imprensa fiscalizar.

Elogiar Meryl Streep pode ser chover no molhado, porém é necessário. Sua 21ª indicação ao Oscar é merecida. Ao mesmo tempo que transmite uma serenidade e postura que somente Streep pode proporcionar, ela demonstra o receio de destruir um legado, colocar o seu nome em jogo e arriscar o trabalho de seus funcionários. Tom Hanks também não fica para trás, mesmo correndo menos riscos, é ele quem insiste na causa. Se era o governo que decidia o que poderia ser publicado, o que é a liberdade de imprensa afinal?

As interações entre Bradlee e Kat têm diversas camadas. É um laço de amizade misturado com um respeito de chefe e funcionário completado com pequenas desavenças ideológicas. É uma junção que apresenta uma química muito evidente.


Spielberg é um diretor que não precisa de apresentações, seus clássicos falam por si. Entre 2006 e 2010, o norte-americano deixou de lado sua principal função para atuar como produtor. No período citado, trabalhou como diretor apenas em Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal. Em 2011, voltou e não parou mais. Cavalo de Guerra, Lincoln, Ponte de Espiões, até chegar em The Post.

Apenas pelo fato de juntar Maryl Streep e Tom Hanks no mesmo filme, Spielberg já merece elogios. Mesmo depois de tantos filmes, ele ainda não perdeu a mão.Para mostrar como a redação é um ambiente que não para nunca, Spielberg decidiu manter a câmera na mão. Mostrando o dinamismo do jornalismo, os planos sequência em diversos cantos da redação servem para mostrar a redação funcionando como apenas um organismo. A câmera persegue e se aproxima dos personagens e objetos, como se mostrasse a ânsia da busca pela verdade.

O diretor romantiza até o processo gráfico, as máquinas de escrever e as prensas são filmadas como as ferramentas da liberdade americana. Cada plano detalhe mostra a importância do processo, como se aquela impressão não representasse apenas a rotina de mais um jornal do dia. Os planos em contra-plongée também servem para exaltar as figuras de Streep e Hanks.


A história, entretanto, não tem um ápice. O roteiro é muito bem amarrado, mas o significado dos acontecimentos é muito mais importante do que qualquer coisa que poderia ser demonstrada em cena.

The Post – A Guerra Secreta mostra como a verdadeira batalha pode ser invisível para a população. A publicação não trouxe apenas a relevância para o jornal. Também mostrou que as mulheres poderiam ter cargos altos, que a apuração do jornalismo ainda fazia sentido e que tudo ao nosso redor sempre pode ser alterado para melhor.

Nota (de zero a cinco): 4

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

[Cinema] Crítica: A Forma da Água - 2018

Seja em “O Labirinto do Fauno”, “A Espinha do Diabo” ou “Hellboy”, os dois primeiros com uma temática mais sombria e o último com a liberdade proporcionada pelos filmes de herói, a filmografia de Guillermo del Toro é repleta de seres fantásticos.

“A Forma da Água”, novo longa que rendeu um Globo de Ouro para o diretor mexicano, se passa em plena Guerra Fria, na década de 60. Elisa Esposito (Sally Hawkings) é uma zeladora muda de um laboratório do governo americano que acaba de receber uma criatura nova para realizar experiências. O objetivo era ter uma vantagem contra os soviéticos. Ao realizar suas tarefas diárias com sua colega de trabalho Zelda (Octavia Spencer), Elisa começa a se afeiçoar pela criatura.


Como a personagem é muda, suas principais falas são apresentadas na tela. Elisa percebe que a criatura não a enxerga incompleta como as outras pessoas. Como não entende os seres humanos, a voz de Elisa não faz falta: os dois não produzem som e movem a boca para falar. Ao perceber que a criatura é maltratada diariamente por Richard Strickland (Michael Shannon), supervisor de segurança do laboratório, Elisa prepara um plano de resgate.

Del Toro faz questão de apresentar como a água está presente na vida de Elisa. Por meio dela Elisa se masturba, faz o café da manhã, observa a chuva no caminho para o trabalho e até lê frases motivacionais relacionadas ao elemento (“O tempo não é nada mais do que um rio correndo pelo nosso passado” e “A vida é apenas o afogamento dos nossos planos”).

A atuação de Sally Hawkings é delicada, com expressões e pequenos gestos. Demonstrar raiva com uma personagem muda é difícil e Hawkings faz um trabalho espetacular. Incrível também como Octavia Spencer sempre consegue uma de indicação de atriz coadjuvante. O tempo de tela é menor do que em “Estrelas Além do Tempo”, mas merece destaque pelo alívio cômico.


A trilha sonora de Alexandre Desplat é espetacular e fala por si só. Depois de oito indicações e um Oscar por “O Grande Hotel Budapeste”, sem dúvida seu trabalho renderá mais prêmios. É um trabalho singelo, mas é um elemento-chave para introduzir o espectador no universo fantástico de Del Toro.

A fotografia busca sempre um tom esverdeado. É interessante perceber como praticamente todas as cenas possuem elementos cenográficos verdes ou uma iluminação mais voltada para a cor.

O diretor aproveita pequenas cenas para demonstrar com sutileza como a água e a relação entre Elisa e a criatura são importantes para o longa. Duas merecem destaque. Uma simples transição de cena com duas gotas na janela do ônibus se transformam em uma representação do futuro que a protagonista imagina para os dois.


Em outra cena, em que o banheiro fica cheio de água, usa o exagero e o absurdo por meio do humor para demonstrar até onde Elisa chegaria para ter êxito na libertação da criatura.

“A Forma da Água” é mais um exemplo da criatividade e imaginação deste diretor que decidiu compartilhar suas fantasias por meio do cinema. Com um final espetacular, o próprio del Toro resume seu filme: “É como um poema sussurrado por alguém apaixonado”.

Nota (de zero a cinco): 5