segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

[Cinema] Crítica: Interestelar - 2014

Depois de assistir "Gravidade", fiquei ainda mais fascinado por qualquer notícia/filme/livro sobre espaço. A beleza das cenas de Alfonso Cuarón em IMAX me impressionaram. Muito. O tempo passa e me deparo com o trailer de Interestelar, com um elenco sensacional e direção de Christopher Nolan, que explodiu minha cabeça com "A Origem". Nem vou entrar nos méritos da trilogia "Batman". Lembrando que a crítica contém spoilers, então cuidado. Assiste o filme e depois volta aqui!


Matthew McConaughey, pra começar, passa por uma fase espetacular. Depois do Oscar em "Clube de Compras Dallas" e roubar a cena em uma ponta em "O Lobo de Wall Street", McConaughey dá destaque a tudo que participa atualmente.

Em Interestelar, ele vive Cooper, um engenheiro que se viu obrigado a trabalhar como fazendeiro. Ele vive na Terra em um futuro distante, que sofre com uma praga, que causou tempestades de poeira constantes. Obrigados a viver nesse mundo praticamente pós-apocalíptico, porém que ao menos parece plausível, os humanos procuram apenas sobreviver. É uma Terra que não precisa de engenheiros, mas sim de fazendeiros, de alimentos.

Cooper mora com seus dois filhos, Tom e Murph, jovens com um futuro promissor e seu pai Donald (John Lithgow). Através de uma anomalia gravitacional, Cooper descobre junto com Murph, a sede escondida da NASA. Em um mundo que mal tem comida, quem vai pensar em exploração espacial, certo?

Em pouco tempo, o engenheiro/fazendeiro, que também já foi piloto de testes da agência espacial, é convidado pela NASA (que não sabia que Cooper estava vivo) para uma viagem rumo ao desconhecido.

Murph encontra dificuldades para deixar o pai partir em uma missão em que ninguém sabe se vai dar certo e que não tem uma data certa para acabar. Tudo em nome da confiança na teoria do professor Brand (Michael Caine), cabeça da missão toda, e na fé na ciência.

A ideia da missão é encontrar um buraco-de-minhoca recém-descoberto por cientistas, próximo da órbita de Saturno, que leva a uma nova galáxia. Nela, foram descobertos planetas que provavelmente podem ser habitáveis. Para tirar a dúvida, voluntários/cientistas partiram em uma viagem solitária e sem volta para conhecer os planetas  O que é um tiro no escuro, já que "provável" pode significar a morte. Mesmo assim, é melhor do que ficar na Terra comendo poeira e aguardando a extinção.

Apesar do péssimo cenário no planeta Terra, a tecnologia avançou bastante em certos quesitos. Os humanos aprenderam a viajar longas distâncias em menos tempo, aprenderam a programar um estado de hibernação para esperar o tempo passar e criou a mais alta tecnologia em inteligência artificial.

O TARS e o CASE são robôs de suporte aos tripulantes, que trabalham tanto na manutenção e movimentação da nave, quanto em piadinhas programadas. É possível medir 90% de sinceridade, 70% de humor...eles são úteis, simpáticos e possuem um formato um tanto quanto mutante, com formas que podem mudar de acordo com a adaptação de terreno. Definitivamente, um excelente ponto positivo.

Após a "pesquisa", três planetas foram confirmados como habitáveis pelos próprios voluntários. O papel da equipe de Cooper, composta por Brand (Anne Hathaway), Doyle (Wes Bentley) e Romilly (David Gyasi), é visitar os planetas e confirmar a possibilidade de viver em um deles.

Após a apresentação da Terra devastada e o vínculo forte da família de Cooper, Christopher Nolan começa com as esperadas cenas de espaço.

Assim como em "Gravidade", elas são de tirar o fôlego. A trilha sonora consegue mostrar a solidão do espaço com um piano tranquilo e ao mesmo tempo a imponência do silêncio.

Com tanto tempo de missão, afinal Saturno não fica ali na esquina, Nolan opta por temas como amor, fé e humanidade, porém sem a visão piegas. Para debater o efeito causado pelo tempo, os quatro tripulantes da nave conversam sobre a real compreensão do amor e a sua utilidade na sociedade.

Um interessante ponto é tocado por Brand: "Seria o amor algo maior? Um artefato de dimensão superior que não notamos conscientemente?". Nada de errado na colocação. Humanos amam pessoas mortas, amam pessoas que não conhecem, amam pessoas que ainda vão nascer e são capazes de amar mesmo distantes uns dos outros. Não inventamos o amor, nascemos sentindo, algo tão comum quanto respirar ou piscar.

Teria o amor um outro sentido? "Afinal, o amor é a unica coisa capaz de transcender as dimensões de tempo e espaço", completa a Dra. Brand. Misteriosa ou não, essa necessidade de estar com outras pessoas nos faz humanos, nos dá vontade de viver.

Me chamou a atenção essa procura minuciosa pelos detalhes com algo que não sabemos como funciona. A passagem pelo buraco-de-minhoca e a aproximação do buraco negro são cenas simplesmente espectaculares, daquelas para voltar várias vezes para assistir com calma.

Trata-se de um cuidado impecável na tentativa de demonstrar algo que nunca foi visto, porém da forma mais plausível possível. Nunca vimos algo parecido, mas acreditamos que, se acontecesse, seria daquela forma. E isso é muito daquilo da velha magia do cinema, de tentar levar o espectador em locais nunca antes desvendados.

Nolan toma cuidado para explicar e deixar tudo bem claro para ninguém se perder com a história do espaço-tempo. Aquela história, o tempo de alguém que viaja no tempo-espaço na velocidade da luz é diferente de quem fica na Terra. E é exatamente isso que apresenta um desenvolvimento aos personagens que ficaram na Terra, como Murph (adulta vivida por Jessica Chastain) ou o professor Brand.

Preciso destacar também que é uma puta coragem para um diretor consagrado como o Nolan contar uma historia tão arriscada, muito, muito longe da zona de conforto..

Existe até a teoria de que "eles" (leia-se deuses, extraterrestres, algo superior) estão nos olhando em algum lugar da quinta dimensão. "Eles" ajudam a nossa compreensão. Se não somos tão evoluídos a ponto de conversarmos, "eles" nos ajudariam a entender a nossa realidade. "E se, para 'eles', o tempo e só uma questão física, de subir ou descer uma colina?", diz mais uma vez a Dra. Brand. A apresentaçao de tempo como algo físico me fascinou.


Diferente de "A Origem", o final apresenta uma resposta justa a todas as pontas soltas. Não precisa esperar os créditos para saber se o peão parou de rodar. Existem casos e casos, claro, mas aquele papo de "o final fica à mercê do espectador" para mim é história de diretor e redator que não tem culhões para sustentar seu próprio final.

Quanto as atuações, o filme me levou tão longe, que parei de prestar atenção em Matthew McConaughey, Anne Hathawhay ou Chastain. Eram apenas os personagens. Acredito que isso é um ótimo elogio. Sabe quando falam que o árbitro que não aparece no jogo é aquele que está com a partida em suas mãos?

Um filme de imagens espectaculares, diálogos inteligentes sobre assuntos importantes da existência humana e a megalomania do Nolan. Espero que a moda de filmes espetaculares no espaço continue por um bom tempo. Seja esse tempo físico ou não.

Nota (de zero a cinco): 4,5

domingo, 25 de janeiro de 2015

[Crônica] A vida da Cinza

Essa história aconteceu no estojo de lápis de cor da Alice, de 5 anos. A história da senhorita Cinza. Filha do senhor Preto com a dona Branco, logo na pré-escola dos lápis, a Cinza já se sentiu excluida.

No parquinho, não era aceita na brincadeira com a Amarelo e com a Vermelho. O Azul então, por quem tinha uma queda, nem dava bola. Todos diziam que ela não era nem uma coisa, nem outra. Pior, seu apelido era "Neutra" ou "Fúnebre".

Cansada das brincadeiras de primário (literalmente), pensou em uma mudança na sua vida: "Mãe, quero ser Rosa!". A dona Branco ficou surpresa: "Filha, você é linda da forma que você é!". Com a insistência da filha, revelou um segredo de família: "Cinza, como sou Branco, rainha de todas as cores, você pode virar a cor que você quiser. Mas tem uma coisa: você só pode escolher uma vez por dia. É só se concentrar e pensar na cor".

A pequena ficou radiante. Fechou os olhos e pensou: "Rosa, Rosa, Rosa!". Quando abriu os olhos, viu seu corpo da cor que sempre quis. Não via a hora de aparecer Rosa com glitter no estojo, só pra aquelas exibidas Amarelo e Vermelho morrerem de inveja.

No dia seguinte, na pré-escola, Cinza chegou linda de Rosa. O Azul até passou no apontador para ficar mais elegante para a senhorita Cinza. A Amarelo e a Vermelho logo convidaram a novata para brincar.

A brincadeira era contar quem é o lápis mais usado pela Alice no dia da aula de artes. Na pré-escola, a atividade era desenhar como foi seu feriado. Alice ficou em casa com os pais, porque ameaçou chover e ninguém foi para o parquinho. Seu desenho portanto precisava da Cinza, para as núvens escuras e cheias de gotinhas.

Alice abriu o estojo e começou a procurar a Cinza. Virou os lápis de novo e de novo. Agora de Rosa, Cinza tentava ficar no campo de visão, mas ninguém em sã consciência desenharia uma núvem de rosa. Para ajudar a filha, o senhor Preto auxiliou Alice a fazer uma nuvem escura, bem de levinho.

No final do desenho, estojo fechado e Cinza entrou em pânico. "Meu Deus, como ela não me viu? Eu estava bem na frente dela!". A Amarelo respondeu: "Claro, besta. Agora você está lindíssima de Rosa. Nuvem cor de rosa só se for de algodão doce!".

Cinza percebeu o erro que cometeu. Não precisava ficar bonita para os outros. Precisava ficar pronta para dar o seu melhor quando tivesse chance! Fez uma escolha definitiva na sua vida. Sempre que acordasse, antes de abrir os olhos, desejava: "Eu quero ser cinza, quero ser eu mesma!". No final, Cinza se deu bem. Alice desenhou inúmeras núvens, ratinhos e carros até o final das aulas de artes.

Isso porque ela nem imaginava que quando mais velha, os "50 Tons" mudariam a sua vida.

[Série: Versos de Ciência] Descomplica

Era dia dos namorados. A tarefa do dia na escola era fazer uma carta contando as coias boas de algum colega. Ele sabia muito bem para quem escrever. Ela sempre o deixava feliz. Ele decidiu que esta seria a oportunidade perfeita de contar para ela como se sente.

Ele pensou em temas que fariam sentido para o texto. "Futebol, não. Internet, não. Espaço... espaço? Hum, pode ser. Tem todo o lance da imensidão, tudo muito profundo". E começou a carta:

"Mesmo com bilhões de estrelas..."

"Bilhões? Tem muito mais estrelas do que bilhões". Ele lembrou de um vídeo com um cientista que dizia: "Existem mais estrelas no Universo do que grãos de areia na Terra".

"Bom, definitivamente são bem mais que bilhões", disse ele. E consertou o texto.

"Mesmo com as incontáveis estrelas, galáxias e planetas no Universo. Mesmo com bilhões de pessoas na Terra. Mesmo com milhões de brasileiras com sorrisos bonitos...".

"Ops, melhor mudar esse final. Ela pode achar que eu fico olhando o sorriso das outras e não é verdade", pensou.

"Mesmo com milhões de pessoas no Brasil e as várias alunas da nossa sala, você foi a única que eu gostei de verdade. E eu percebi que, como se você fosse a Terra, a minha vida é como a Lua: orbita ao seu redor".

"Acho que dá pra começar assim, bem direto. Mas ela vai perguntar: 'Por que você se apaixonou por mim com tantas meninas por aí?'. Melhor já responder no texto mesmo".

"Porque só de te ver, as estrelas e planetas que ficavam bagunçados no Universo ficam organizados, como uma grande constelação em uma galáxia".

"Acredito que aqui ela já percebe tudo que eu já fiz de bom. Ela finalmente vai juntar todas as minhas qualidades", imaginou.

"Porque você vai terminar essa carta e entender que em meio a tanta escuridão do espaço, as estrelas continuam se destacando. Porque no final das contas, a nossa turma é o espaço, a sala é a escuridão e você é a estrela que brilha. Digo isso porque meus olhos brilham quando você sorri olhando para mim. Para mostar o quanto eu gosto de você, quero que você fique com a minha nave da Enterprise, meu brinquedo favorito. O problema é que eu esqueci, me lembra de trazer na segunda?".

Depois de finalmente passar a carta a limpo, ele foi entregar.

A sala de aula estava lotada. Mas ele a viu em questão de segundos. Ela o recebeu com um sorriso. Ela pegou o envelope e ao mesmo tempo entregou uma carta. Os dois combinaram de ler ao mesmo tempo. A carta dela era um pouco diferente.

"Você é super legal e inteligente. Sempre vejo você me olhando e fico com vergonha, mas te acho demais. Vamos ver Procurando Nemo juntos?"

E assim, eles sorriram juntos e deram a mão pela primeira vez.

De vez em quando, o complicado se torna muito fácil.
De vez em quando, acontece algo inesperado: o amor descomplica.