quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

[Cinema] Crítica: A Teoria de Tudo - 2014

"A Teoria de Tudo" conta várias histórias ao mesmo tempo: descreve como um estudante se tornou um dos cientistas mais respeitados no mundo, a construção da história de amor entre dois jovens, como uma pessoa pode lutar contra uma doença terrível e viver sabendo que tem pouco tempo de vida. O roteiro se movimenta entre os temas e consegue se sair bem em todos.


Lembrando que a crítica contém spoilers, então cuidado. Assiste o filme e depois volta aqui! 

Quando soube que seria contada a história de Stephen Hawking no cinema, admito que fiquei muito empolgado. Não é comum ver um cientista como protagonista, principalmente em um drama com uma história de amor.

Inspirado no livro "Travelling to Infinity: My Life with Stephen", de Jane Hawking, a trama do diretor James Marsh começa com Hawking (Eddie Redmayne, excepcional) na Universidade de Cambridge, já se destacando como um promissor cosmólogo. De uma forma natural e convincente, conhece Jane Wilde (Felicity Jones, indicada ao Oscar de melhor atriz), uma estudante de artes e literatura.

O filme se apoia em dois temas para desenvolver o roteiro: o desdobramento do relacionamento de Jane e Hawking e como a doença degenerativa ELA (esclerose lateral amiotrófica) modificou a vida do cientista.

                 

Desde o início da trama, é possível perceber a evolução da doença de Stephen. Um leve movimento involuntário, que derruba um copo de café, mostra apenas o começo. No hospital após uma queda, o médico avisa que o cientista terá apenas mais dois anos de vida e que aos poucos não vai mais conseguir se movimentar, engolir ou falar. A locomoção fica lenta e logo precisa de muletas.

Sentado na mesa de jantar com amigos, Hawking percebe que não consegue mais se alimentar sozinho e observa os outros sentados na mesa. Um simples movimento de levantar uma colher torna-se um grande desafio.

Saindo do jantar, ele tenta subir a escada para o seu quarto e não consegue. Ao mesmo tempo, observa Jane. A partir deste momento, Stephen percebe que nunca mais será o mesmo.

Jane é um verdadeiro pilar para Hawking. Ela cuida desde a alimentação, banho, até uma ajuda para colocar uma roupa limpa. O mais importante era que Jane fazia por amor, não como uma obrigação. Ela sabia qual seria o futuro do casal, mas insistiu com o relacionamento.

Mesmo com a doença, Stephen insiste em continuar trabalhando. Sua teoria de buracos negros e o tempo é aplaudida por seus professores e conquista o mundo. Tudo isso preso a um corpo que não corresponde às suas necessidades.

Antes de "A Teoria de Tudo", tive dúvidas quanto a escolha de Eddie Redmayne para o papel, que tinha visto trabalhar apenas em "Os Miseráveis". Porém, desde o começo do filme, Redmayne representa um Stephen que aceita as suas dificuldades e que pode ser gentil, teimoso e um gênio, tudo ao mesmo tempo.

É comum a Academia dar o Oscar a atores que superam problemas em um papel. Apenas nos últimos anos, Colin Firth venceu como o gago rei George VI, em "O Discurso do Rei", e Matthew McConaughey, como um eletricista diagnosticado com AIDS, em "Clube de Compras Dallas".

A escolha de Redmayne como melhor ator é mais do que justa. A maneira que o jovem ator representa tudo o que o cientista sentia, mesmo sem poder se movimentar direito, é impressionante. A dificuldade na fala, os pés tortos, a forma de sentar na cadeira, o toque impreciso nos controles... todo o trabalho é impecável e justifica o Oscar de melhor ator a um novato.


Outros pequenos detalhes, como a posição dos seus dedos atrofiados, um olhar diferente para representar ironia ou a maneira que sua locomoção muda conforme a evolução da doença, constroem uma atuação incrível.

A cena em que Stephen imagina levantar para pegar uma caneta é linda de ver. Encostado na cadeira, Eddie arruma sua postura, levanta mancando, e aos poucos fica "saudável" de novo.

A cena é incrivelmente bem feita, com uma leveza única. O maior desejo de um físico que estuda a origem do Universo é apenas ficar de pé novamente.

Felicity Jones também mostra muito bem o outro lado, de quem não tem a doença, mas que é obrigada a viver com dificuldade em nome da felicidade do casal. Ela mostra a paciência (e o cansaço) que é necessária cuidar de uma pessoa, ainda mais com a teimosia de Stephen, e como é possível passar por obstáculos em nome de um relacionamento.

Além das excelentes atuações, destaque para a belíssima trilha sonora de Jóhann Jóhannsson e a fotografia simplesmente linda, com cores intensas.


Mesmo com o livro lançado, com sua popularidade no mundo todo e o respeito de diversos cientistas, seu maior orgulho é o relacionamento com Jane e seus três filhos.

"A Teoria de Tudo" mostrou absolutamente tudo o que eu esperava. Atuações espetaculares, uma fotografia linda e a história de superação de um gênio da física.

Ao escolher contar uma história de amor, o diretor acertou em cheio. O filme é feito para fugir do rótulo de apenas mais um romance, desenvolvendo uma história de um casal sem ser piegas. O roteiro conseguiu balancear bem a doença, o relacionamento e a ciência.

Criar um filme com base em uma biografia poderia ser monótono nas mãos erradas. O diretor poderia seguir por outros caminhos e criar um personagem metido e arrogante. Poderia detalhar o caminho para chegar na teoria dos buracos negros e como o mesmo desacreditou a própria criação. Podia entrar no tabu da religião contra ciência. Mas ainda bem que não foi o caso.

O diretor acertou em se contentar em contar a história de amor de um cientista. Espero que o filme aumente a curiosidade das pessoas em relação a ciência.


Se cada pessoa que guardou um tempo para ler "50 Tons de Cinza" tivesse tempo para ler "Uma Breve História do Tempo" do Hawking ou "Pálido Ponto Azul" de Carl Sagan, teríamos um mundo melhor. Se não tivéssemos um mundo melhor, pelo menos teríamos discussões mais inteligentes.

Nota (de zero a cinco): 5

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

[Cinema] Crítica: Whiplash - Em Busca da Perfeição - 2014

Atenção! Whiplash, o vencedor de três categorias no Oscar, não é um musical. Você já pode se livrar do trauma de Mamma Mia e esquecer Glee. O diretor Damien Chazelle mostra como um filme sobre música pode contar uma história digna de um dos melhores filmes do ano. Até porque ser um músico não é só subir em um palco e ser aplaudido.

Lembrando que a crítica contém spoilers, então cuidado. Assiste o filme e depois volta aqui!

Andrew Neiman (Miles Teller, guarde este nome) é um aluno do primeiro ano do Conservatório Shaffer, a melhor universidade de música dos EUA. Neiman tem o sonho de se tornar o melhor baterista de jazz da sua geração.



O principal professor do local, Terence Fletcher (J. K. Simmons, em um dos melhores papéis da sua carreira), procura por músicos talentosos para a banda principal da universidade, a Studio Band. Baterista reserva da turma de estudantes, Andrew é chamado para um teste com a banda como suplente. 

Mesmo os músicos mais experientes tem medo de Fletcher. Quando ele entra no estúdio, todos olham para o chão, sem manter contato visual. Ao escutar um instrumento desafinado, imperceptível para um leigo, o professor faz o cara do trombone chorar e se retirar. Sinta o nível:


Antes de começar o ensaio, Fletcher dá um apoio ao novato: "Divirta-se, não fique preso aos números". Ao começar a tocar e cometer um erro, que até agora não encontrei, o professor pressiona Andrew. E mais. E mais. Aos berros. É muita pressão. 

Andrew decide praticar até ficar exausto. Mais do que isso, deixa sangue na bateria com as feridas causadas pelo esforço repetitivo com as baquetas.

Apesar do filme focar no professor e no aluno, ainda é pouco discutida a relação de Neiman com a família. Ele precisa explicar sobre o futuro incerto de alguém que está só começando no mundo da música. "Prefiro morrer bêbado e falido aos 34 anos tendo pessoas falando sobre mim na mesa, do que rico e sóbrio aos 90 e ninguém lembrar quem eu era", diz o jovem na mesa de jantar.

Em meio a tudo isso, ele convida Nicole (Melissa Renoist), funcionária de um cinema, para um encontro. Ela é uma típica jovem que ainda não sabe qual rumo seguir. Seu papel no filme é curto, mas coloca na cabeça de Andrew que nada, nem ninguém deve atrapalhar seu caminho. Para tentar ganhar, muita coisa fica perdida no caminho.


Destaque para as várias cenas entre Simmons e Miles. Em uma delas, enquanto um chuta partes da bateria para longe, em pleno contraste depois de chorar em nome de um competente músico que faleceu, o outro deixa sangue na bateria com uma expressão de raiva e dor, completamente esgotado.

A relação entre os dois anda entre a admiração, a raiva, a decepção e o orgulho. Andrew se torna tão intenso quanto Fletcher.

Se um só consegue viver com a perfeição na música, o outro se esforça o máximo possível para encontrar o reconhecimento. "Qualquer idiota balança os braços e mantém uma banda no ritmo. Eu estava lá para empurrar as pessoas para além do que se espera delas", comenta o professor.

Simmons mostra porque venceu o Oscar de melhor ator coadjuvante. Sua atuação é muito expressiva e impressionante. Ele consegue transparecer raiva e profundidade, mesmo sem o filme contar muito sobre sua historia. 

Quanto a Miles Teller (o novo Reed Richards, do reboot do Quarteto Fantástico), fica um futuro brilhante pela frente. Não tenho dúvidas que se escolher os papeis certos, um dia será indicado. 

A vontade de Fletcher de moldar uma lenda faz sentido até um certo ponto. 


Óbvio que humilhar alguém não é a melhor forma de ensinar, mas muita gente fica confortável vivendo na comodidade. São poucos que se esforçam para dar mais alguns passos. Uma lenda não desistiria tão fácil.

Whiplash poderia ser um filme clichê sobre a conquista de um sonho, mas escolheu um caminho alternativo, apostando na bateria e em uma base no jazz, um gênero que para grande parte da nova geração se tornou antiquado. 

  
O filme é excelente justamente por fugir do caminho mais fácil. Na busca de um objetivo você tem duas opções: procura uma pessoa para te dar um empurrão ou deixa sangue e suor no caminho. 

Nota (de zero a cinco): 5

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

[Cinema] Crítica: O Jogo da Imitação - 2014

Baseado em fatos reais, a maior parte de "O Jogo da Imitação" se passa em plena Segunda Guerra Mundial. Trata-se da história de Alan Turing (Benedict Cumberbatch, em um papel brilhante), que viveu em uma época complicada e intolerante. O longa também apresenta cenas da sua infância no colégio, mostrando como ele começou a lidar com a homossexualidade, e das consequências do fim da guerra.

Lembrando que a crítica contém spoilers, então cuidado. Assiste o filme e depois volta aqui!

Considerado um prodígio pela inteligência fora dos padrões, Alan é um gênio matemático, porém prepotente e arrogante. Ele sabe bem do seu potencial e que é o melhor do seu país em decifrar códigos.

Ele sabia que podia ajudar os aliados a tentar quebrar o código da "Enigma", máquina utilizada pelos alemães para criptografar mensagens secretas. Os aliados recebiam as mensagens, porém não conseguiam decifrar.

Além da gigantesca complexidade, o sistema reiniciava rapidamente, criando em pouco tempo um novo código para transmitir a mensagem. Para tentar resolver o que os franceses e americanos ainda não tinham conseguido, o governo de Winston Churchill, primeiro-ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial, cria uma equipe com os melhores matemáticos ingleses.

O time liderado por Hugh Alexander (Mathew Goode) recebe Alan, mas logo se cansa da pouca ajuda, já que ele se importa apenas em criar um esboço de uma máquina para decifrar o "Enigma".



Após uma reclamação oficial da equipe para o comandante Denniston (Charles Dance, o Tywin Lannister, de Game of Thrones), Alan resolve explicar seu plano enviando uma carta diretamente para Churchill.

Com a resposta positiva para a continuidade do projeto, Alan se torna o líder da equipe, demite dois funcionários sem a menor culpa e decide se jogar de vez na criação da máquina, junto com Hugh, John Cairncross (Allen Leech), Peter Hilton, (Matthew Beard) e Joan Clarke (Keira Knightley), a única mulher do grupo.

São trilhões de possibilidades para decifrar. Segundo as contas do próprio protagonista, seriam necessários 20 milhões de anos para descobrir algo. Se os humanos não são capazes de decifrar a máquina, quem sabe uma máquina possa pensar mais rápido e criar um padrão.

Nas cenas da sua infância, Alan cria uma relação com o amigo Christopher através da criptografia. Por meio dela, o jovem começou a se interessar por códigos. Com a perda inesperada do amigo, justamente no momento que percebe que o sentimento é maior do que uma amizade, Alan passa a ficar cada vez mais sozinho e a se dedicar somente aos estudos. No futuro, essa seria uma base para a criação da sua máquina, a "Christopher".

A atuação de Cumberbatch é impecável. Em certos momentos, ele demonstra total controle de tudo. Em outros, fica gago, inofensivo e demonstra nervosismo diante de violência, fruto do bullying sofrido quando criança. O papel, que lembra a inteligência e arrogância de Sherlock, parece ser feito para o ator.

Keira Knightley também não deixa nada a desejar. Joan é muito importante para o desenvolvimento da história e representa as mulheres que podiam muito bem ser mais do que apenas cozinheiras ou recepcionistas na guerra. Mesmo em um grupo de homens, ela conseguia se destacar por seu pensamento rápido. Joan era uma das poucas pessoas que entendiam Alan.

O final é ao mesmo tempo feliz e triste. Feliz por conta de um gênio, que salvou milhares de vidas por diminuir o tempo de guerra em mais de dois anos. Graças a ele, tivemos o início de um protótipo do computador e diversos derivados de sua tecnologia.

A parte triste é o cenário em que a invenção foi criada e a intolerância com os homossexuais na época. Alan foi obrigado a esconder quem realmente era. Ele foi obrigado pelo governo inglês a fazer uma castração química, terapia com hormônios femininos. Turing se suicidou aos 41 anos.

Para ter noção, apenas em 2013, a rainha Elizabeth II concedeu perdão real a Alan pela sua condenação por homossexualidade. Diversas outras histórias continuam mantidas em sigilo como segredo de guerra.

Imagino quantos "Alans" permanecem desconhecidos e quantas pessoas geniais foram obrigadas a permanecer em silêncio após uma criação. Já imaginou se o maior feito da sua vida não pudesse ser divulgado?

Desejo apenas que a história do Alan Turing não seja apenas vista como "o cara que criou o computador". Gênios precisam ser conhecidos e suas histórias precisam ser contadas para inspirar outros gênios. Felizmente, o cinema é o lugar perfeito para isso.

Nota (de zero a cinco): 5

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

[Cinema] Crítica: O Grande Hotel Budapeste - 2014

A história de "O Grande Hotel Budapeste" acontece entre as duas grandes Guerras Mundiais, mais especificamente em 1932 na fictícia ex-República de Zubrowka, na fronteira europeia mais oriental, na cidade de Nebelsbad. A trama tem como base um hotel que já foi muito conceituado, mas que começou a descambar para uma futura demolição. Lembrando que a crítica contém spoilers, então cuidado. Assiste o filme e depois volta aqui!

Trata-se de um livro de memórias lido por uma menina em 1985, com um homem contando em 1968, as histórias vividas em 1932. Parece complicado, mas no filme é bem fácil de entender. O dono do hotel, Sr. Zero Moustafa, (F. Murray Abraham) vê o local com olhos de um romântico, como uma velha ruína encantada.


O filme começa com a história contada pelo dono do hotel, sobre como Zero (jovem vivido por Tony Revolori) virou mensageiro e melhor amigo do concierge Monseur Gustave H. (excelente atuação de Ralph Fiennes).

O concierge estava acostumado a dar um "tratamento especial" para as hospedes idosas, loiras e ricas. Era assim que ele mantinha a fidelidade e deixava o hotel sempre cheio. Até que uma das hospedes, Madame D, falece e deixa uma grande herança.
No meio dela, o quadro "O menino e a maçã", de Van Hoytl, herdado por Gustave para fúria de Dmitri (Adrian Brody), filho de Madame D e sua gigante família.



Gustave é considerado culpado mesmo sem provas do assassinato de Madame D e do roubo do quadro renascentista mais valioso do mundo, um dos poucos ainda fora dos museus. A história segue com as consequências da prisão, a batalha pela herança e a procura de manter intacto o nome do Grande Hotel Budapeste.

O diretor Wes Anderson consegue juntar suspense, perseguições, prisão, mortes e comédia. São diversos recortes em um só roteiro, que fluem muito bem no produto final. Já uma característica do diretor, as câmeras centralizam o foco da ação.

Os diálogos são rápidos e sempre acompanhados por uma dose de humor, que consegue ser respeitoso e agressivo ao mesmo tempo. As cenas entre Zero e Gustave sempre são acompanhadas de esquisitices e ironias.

Dmitri e Jopling (Willem Dafoe, cruel capataz do herdeiro), dão a impressão de vilões de filmes antigos, inclusive com trilhas de terror quando aparecem. Porém, a maldade é vista por um lado mais light, mesmo com cenas não tão comuns em filmes mais leves.

Ralph Fiennes faz um grande trabalho, retratando M. Gustave um homem educado e refinado, definitivamente alguém fora de sua época, mas ao mesmo tempo metódico ao extremo e adorador de poesias. O filme ainda conta com ótima participação de Jude Law, Edward Norton, Bill Murray, Owen Wilson, entre outros.

O resultado é um filme com um sentimento nostálgico, com um toque de ironia e muito perfeccionismo. No final das contas, as câmeras são tão simétricas quanto os costumes exagerados de Gustave.

O filme foi lançado em fevereiro de 2014, mas não perdeu o fôlego e conseguiu nove indicações para o Oscar e o Globo de Ouro de melhor filme de comédia ou musical.

Se o dono do hotel vê o Grande Budapeste como uma velha ruína encantada, Wes Anderson resgata o humor de suas inspirações e transforma seu filme de 2014 em um grande clássico consagrado.

Nota (de zero a cinco): 4,5